As estantes de música não têm prateleiras. Um bordo uma margem, para que não caiam as partituras.
Khachaturian, assim como Prokofiev e Shostakovich, foram acusados (em 1948) pelo regime soviético, de formalismo, de formalistas. Que o formalismo era antinacionalista, que os formalistas apagavam a expressão da emoção do povo.
Essa confusa distinção bifurcada entre nacionalismo e formalismo já aqui havia sido notada por Lopes-Graça na década de 30 (1934)
Lembro as palavras, escritas numa publicação periódica da altura (julgo que na "República") republicada depois em livro - " A caça aos coelhos e outros escritos polémicos".
"Segundo o conspícuo autor do Rouxinol cativo, existem duas correntes bem demarcadas no campo da estética musical, tanto no estrangeiro como em Portugal: o «nacionalismo» e o «formalismo», este preconizado no ensino oficial, aquele defendido por «actividades extra-oficiais». Os «formalistas» são os homens da música pura, isto é: «a música fora do tempo e do lugar...construída geometricamente...sem literaturas, sem paisagem...em que não existem estados de alma, mas somente obediências às leis de certas e determinadas lógicas formais»; os «formalistas» são, em suma, «os amigos da Sonata», para quem a «forma» é «tudo». Os «nacionalistas», pelo contrário, «pretendem dar à música o sentido do lugar, do tempo e da vida» (sic); para estes, a música não é um fim, mas antes um meio: eles «servem-se do som musical para exprimirem estados de alma comuns à raça, fixando o colorido especial das paisagens.»
(…)
Basta, que é demais.
Os leitores já viram, certamente, o caótico, o disparatado, o absurdo, o burlesco de tudo isto.
(…)
O menos culto estudantinho do 6º ano do Liceu sabe, porque isto é elementar, que, em Estética, o que se opõe ao Formalismo não é o Nacionalismo, mas sim o Conteudismo; e que o contrário do Nacionalismo não é Formalismo, mas…Universalismo. Que Formalismo e Conteudismo dizem respeito à estrutura íntima, ao processus ideativo da obra de arte; ao passo que Universalismo e Nacionalismo se referem ao seu carácter externo, ao seu successus representativo. Que, portanto, pode haver - e há, de feito - obras de estrutura formal e carácter nacional, e obras de estrutura conteudista e carácter universalista. Pelo que o Formalismo não é, de maneira alguma, adstrito ao Universalismo, assim como o Conteudismo não é pertença exclusiva do Nacionalismo.
(….)
Conteudismo e Formalismo não se excluem, não se repelem mutuamente, pois que não é fácil conceber um conteúdo sem um esboço de forma, assim como não existe, decerto, uma forma sem um mínimo de conteúdo. O que há é obras que partem da forma para o conteúdo, isto é: em que este se subordina àquela; e obras que partem do conteúdo para a forma, isto é: em que aquele determina esta.”
No comments:
Post a Comment