Thursday, December 24, 2009

A minha mãe acordou muitíssimo bem-disposta: "-A esta hora já eu andava no tejo a apanhar robalos e enguias como se apanhasse batatas; metíamo-los nas canastras e ia-mos oferecer peixe a toda a vizinhança. O avô Francisco levantava as comportas e deixava a água a três palmos para os peixes não morrerem. O que eu e os meus primos gostávamos de ali estar de manhã cedo com as redes."
(tejo é o que chamavam ao rectângulo onde cristalizava o sal)

Este assim era o presépio típico de Olhão. Dia oito de Dezembro, dia da mãe, plantavam-se as searinhas de trigo. Armava-se o presépio com o Menino no alto dos degraus de linho. Enfeitava-se com laranjas, tangerinas e com as searas que iam crescendo.



Uma noite feliz

Monday, December 21, 2009

Thursday, December 03, 2009


aurum musivum, oro musivo, aurum
musicum, oro de musico, aurum pictorium,
purpureus color, purpurina e
porporina

Wednesday, December 02, 2009

Friday, November 27, 2009

Hoje às oito e meia, o mar nas Avencas




Sunday, November 22, 2009

A 22 de Novembro de 1913 nasceu Benjamin Britten - Barão de Aldeburgh
http://www.youtube.com/watch?v=VnoWS3uFBt4&hd=1

A 22 também, de 1901, nasceu Joaquín Rodrigo - Marquês dos Jardins de Aranjuez
http://www.youtube.com/watch?v=J29k1LtHq9M

Friday, November 20, 2009

Saturday, November 14, 2009



Parabéns Catarichacatituacolibriebeija-flor!

Friday, November 13, 2009

NASA: há água na Lua!

7 de Novembro - Eclipse total da lua. Passou diante dela a terra ou coisa assim, grossa e opaca. Enquanto a via desaparecer aos poucos por detrás dessa invisível mão que a tapava, comecei a pensar cá em baixo. O que seria a vida sem ela, sem essa quimera de luz que mora lá na distância do sonho. Lá, onde desfeito e vago, em astro frio, iluminado de saudade, eu quero ir morar depois disto.

Miguel Torga. Diário I.

Wednesday, November 11, 2009



"Aprendemos o modo específico de progredir em direcção à atitude crítica , ao mais antigo, de onde brota o que vem depois. Aprendemos a levantar cedo e a conhecer o curso da história. Aprendemos o que é obrigatório no caminho do primordial para o real. Aprendemos o que digerir. Aprendemos a organizar o movimento através dos contextos lógicos. Aprendemos lógica. Aprendemos o que é o organismo. O relaxamento das relações de tensão é uma consequência de tudo isso. Nada de exagerado; tensão no interior, atrás, em baixo [tensão inferior]. Calor apenas por dentro. Interioridade.
(…)
É difícil contar com o inesperado. E, no entanto, sendo o condutor em pessoa, o génio está sempre um passo à frente. Salta adiante, seja na mesma direcção ou noutra. Talvez já esteja hoje numa região que quase ninguém imagina. Pois o génio costuma ser, para o dogma, um herege. Não possui nenhum princípio além de si mesmo.
A academia silencia acerca do conceito de génio conscientemente, com um respeito discreto. Ela o guarda como um segredo que, retirado do seu estado latente, talvez fosse questionado de modo ilógico e tolo.
O que resultaria em revolução. Perplexidade gerada pelo espanto. Indignação e exílio: Fora o criador de sínteses! Fora o totalizador! Nós [os analíticos] somos contra! E então as ofensas em profusão: Romântico! Cósmico! Místico! Sim, no final seria preciso chamar um filósofo, um mágico!"

Paul Klee. Sobre a arte moderna e outros ensaios.

Friday, November 06, 2009


“Ó Lua, guarda o retrato
de tudo, tudo a que assistas!”


David Mourão-Ferreira
"(…)um princípio de ordem no universo. Qualquer que seja a classificação, esta possui uma virtude própria em relação à ausência de classificação. (…) Essa exigência de ordem constitui a base do pensamento que denominamos primitivo, mas unicamente pelo facto de que constitui a base de todo o pensamento."

"O pensamento mágico não é uma estreia, um começo, um esboço, a parte de um todo ainda não realizado; ele forma um sistema bem articulado; independente, nesse ponto, desse outro sistema que constitui a ciência (…). Portanto, em lugar de opor magia e ciência, seria melhor colocá-las em paralelo, como dois modos de conhecimento desiguais quanto aos resultados teóricos e práticos (…), mas não devido à espécie de operações mentais que ambas supõem e que diferem menos na natureza que na função dos tipos aos quais são aplicados."

Pensamento Selvagem. Lévi-Strauss.







"Diante de alguns factos inexplicáveis deves tentar imaginar muitas leis gerais, em que não vês ainda a conexão com os factos de que te estás ocupando e de repente na conexão imprevista de um resultado, um caso e uma lei, esboça-se um raciocínio que te parece mais convincente do que os outros. Experimentas aplicá-lo a todos os casos similares, usá-lo para daí obter previsões, e descobres que adivinhaste. Mas até o fim não ficarás nunca sabendo quais predicados introduzir no teu raciocínio e quais deixar de fora. E assim faço eu agora. Alinho muitos elementos desconexos e imagino as hipóteses. Mas preciso imaginar muitas delas, e numerosas delas tão absurdas que me envergonharia de contá-las."

Umberto Eco. O nome da Rosa

Monday, June 15, 2009

Não pesa mais a sombra de um bloco granito do que a dos panos esticados que o cobrem.
E é assim que a poesia é luz, pesando. Será?



"Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas do próprio seio dela
intensamente amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina realmente os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos e na boca"



Mário Cesariny. Pena Capital

Wednesday, April 22, 2009

Hoje é dia da Terra!

Emparedemos todas as palavras dadas
prendamo-las entre quatro ventos cardeais
ocultas em florestas de luzes boreais
nevoeiros
nebulosas ionizadas
Sepultemo-las
em terras fertilizadas
dentro de bolbos, grãos, sementes gotas cristais
entranhadas em lençol d’águas primordiais
tintas de terra verde
de ocre douradas
Onde nadam os cristais
discos sóis raias no fundo
as palavras decompostas saturem em cores o mundo

Friday, April 17, 2009

Friday, March 06, 2009

Darwin, a poesia e simetria

A vinte e sete do mês passado assinalou-se o dia de aniversário de Ruy Belo, que diz amar as árvores - "eu amo as árvores principalmente as que dão pássaros"

Simetria vertical - inversão

"Os pássaros nascem na ponta das árvores

As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores
Os pássaros começam onde as árvores acabam (...) "
Ruy Belo

Simetria horizontal - retrógrado

" (...) os cadáveres das aves, flutuando no mar, nem sempre são devorados imediatamente; ora, um grande número de sementes pode conservar-se por muito tempo no papo das aves que flutuam. Assim, as ervilhas e ervilhacas morrem após alguns dias de imersão em água salgada, mas, para grande surpresa minha, algumas destas sementes, tiradas do papo de um pombo que tinha flutuado em água salgada durante trinta dias, germinaram quase todas"
Charles Darwin

Nem será preciso referir que a vinte e quatro do futuro mês de Novembro, se assinalarão cento e cinquenta anos passados sobre a primeira publicação do livro "a origem das espécies" (de onde tirei este excerto) de Charles Darwin; não se fala de outra coisa.

Saturday, February 07, 2009

Wednesday, February 04, 2009

Inverno
Toda a chuva da noite
o vento a cada janela
que o dia, endurece e parte

Friday, January 23, 2009

Evolução, um efeito num processo que avança para outro efeito.

Quem furou o osso de urso da flauta do homem de neandertal? O urso não foi. O osso evoluiu sem custo. O homem causou um efeito na evolução, gratuito, artificial.
Passaram as estruturas dos fémures de urso a desenvolver-se com quatro orifícios? Claro que não, os ursos nem tocam flauta. Passaram todos os homens a caçar ursos para furar o osso em alturas de som? Não me parece.
O homem interfere individualmente e artificialmente na evolução. Aprende só.

As considerações que aqui faço são superficiais. Faltam imensos bancos de dados, imensas cadeias de tempo discreto. Considerações muito mais superficiais do que as que levaram o homo a furar o osso.

Monday, January 19, 2009

Edgar e Eugénio 19 de Janeiro

Edgar Allan Poe. Um Homem na Lua

“ O que mais me assombrou no aspecto das coisas situadas por baixo de mim foi a aparente concavidade da superfície do globo. Eu esperava estupidamente que a sua convexidade real se manifestaria cada vez mais à medida que a altura aumentasse. No entanto, alguns segundos de reflexão bastaram-me para compreender este contra-senso.
Uma linha traçada perpendicularmente do ponto em que eu me encontrava até à Terra formaria a perpendicular de um triângulo rectângulo cuja base se estendia em ângulo recto até ao horizonte, e a hipotenusa, do horizonte até ao ponto ocupado pelo meu balão. Mas a altura em que eu estava nada significava comparativamente à extensão abarcada pela minha vista. Noutros termos: a base e a hipotenusa do suposto triângulo eram tão longas em relação à perpendicular que podiam considerar-se como duas linhas quase paralelas.
(…)
Daqui a impressão de concavidade; e esta impressão teria de durar até que a altura se encontrasse, relativamente à extensão da perspectiva, numa proporção igual, isto é, até que o aparente paralelismo da base e da hipotenusa desaparecessem.
Entretanto, como as pombas pareciam sofrer horrivelmente, resolvi pô-las em liberdade”



Eugénio de Andrade. Limiar dos Pássaros

“Desta cal de homem rompe a lua
de sol extenuada
ergue-se de gume em gume e cai
no espelho a prumo das espadas”

Rente à Fala

"Ver chegar o dia mesmo que fosse a noite
era bom tão cedo ver a terra limpa
os pombos bravos o peito cor de vinho
o cheiro doce dos figos o brilho duro
da cal trazido pelo vento o marinheiro”

Saturday, January 17, 2009

"Meta cada um a mão na consciência e diga o que lá encontrou"
(exorta José Saramago no seu blogue)

Eu diria que lá, não encontraria nada. Onde foi a consciência, a consciência colectiva? Onde foram os memes menos egoístas que os genes? Onde pararam esses campos mórficos de solidariedade, fraternidade, reciprocidade?
Nos campos colectivos tarde ou cedo levamos na tromba, concentramo-nos então nos genes, egoístas. No salve-se a nossa espécie de genes, defendamos a nossa pele.
E quem quer levar, não na tromba, mas na consciência? Vai vazia.

(Como se vê, para quem escreveu não há muito tempo que importante é acreditar nos homens, a minha consciência vai mal, vazia)

Tuesday, January 13, 2009

As estantes de música não têm prateleiras. Um bordo uma margem, para que não caiam as partituras.


Khachaturian, assim como Prokofiev e Shostakovich, foram acusados (em 1948) pelo regime soviético, de formalismo, de formalistas. Que o formalismo era antinacionalista, que os formalistas apagavam a expressão da emoção do povo.

Essa confusa distinção bifurcada entre nacionalismo e formalismo já aqui havia sido notada por Lopes-Graça na década de 30 (1934)
Lembro as palavras, escritas numa publicação periódica da altura (julgo que na "República") republicada depois em livro - " A caça aos coelhos e outros escritos polémicos".

"Segundo o conspícuo autor do Rouxinol cativo, existem duas correntes bem demarcadas no campo da estética musical, tanto no estrangeiro como em Portugal: o «nacionalismo» e o «formalismo», este preconizado no ensino oficial, aquele defendido por «actividades extra-oficiais». Os «formalistas» são os homens da música pura, isto é: «a música fora do tempo e do lugar...construída geometricamente...sem literaturas, sem paisagem...em que não existem estados de alma, mas somente obediências às leis de certas e determinadas lógicas formais»; os «formalistas» são, em suma, «os amigos da Sonata», para quem a «forma» é «tudo». Os «nacionalistas», pelo contrário, «pretendem dar à música o sentido do lugar, do tempo e da vida» (sic); para estes, a música não é um fim, mas antes um meio: eles «servem-se do som musical para exprimirem estados de alma comuns à raça, fixando o colorido especial das paisagens.»
(…)
Basta, que é demais.
Os leitores já viram, certamente, o caótico, o disparatado, o absurdo, o burlesco de tudo isto.
(…)
O menos culto estudantinho do 6º ano do Liceu sabe, porque isto é elementar, que, em Estética, o que se opõe ao Formalismo não é o Nacionalismo, mas sim o Conteudismo; e que o contrário do Nacionalismo não é Formalismo, mas…Universalismo. Que Formalismo e Conteudismo dizem respeito à estrutura íntima, ao processus ideativo da obra de arte; ao passo que Universalismo e Nacionalismo se referem ao seu carácter externo, ao seu successus representativo. Que, portanto, pode haver - e há, de feito - obras de estrutura formal e carácter nacional, e obras de estrutura conteudista e carácter universalista. Pelo que o Formalismo não é, de maneira alguma, adstrito ao Universalismo, assim como o Conteudismo não é pertença exclusiva do Nacionalismo.
(….)
Conteudismo e Formalismo não se excluem, não se repelem mutuamente, pois que não é fácil conceber um conteúdo sem um esboço de forma, assim como não existe, decerto, uma forma sem um mínimo de conteúdo. O que há é obras que partem da forma para o conteúdo, isto é: em que este se subordina àquela; e obras que partem do conteúdo para a forma, isto é: em que aquele determina esta.”

Sunday, January 11, 2009





(Um excerto do concerto para violino de Aram Khachaturian, transferido por Jean-Pierre Rampal, interpretado por Emmanuel Pahud e a Tonhalle Orchester Zurich)

Monday, January 05, 2009

O Bloqueio

"Um processamento inteligente de informação deve emergir no universo e, quando este vier a existir, nunca deve cessar"
Princípio antrópico teleológico
(1982/ Frank Tipler)

Na Terra preside um processamento de inteligência de informação que tem como regulador de ordem o ser humano. A nós, atribuímos juízo - percepção, apreensão, aprendizagem, adaptação, decisão, correcção.
Se o juízo tivesse emergido na Terra, a guerra não ganharia pontos com o medo, a impotência, a dor o desespero e a morte.
Que se ganhassem pontos de guerra lutando pelo bem-estar da outra facção; que se ganhasse informação inteligente nos códigos de outros grupos.
O que nos faz inteligentes? Diferimos dos alfas na luta pelo domínio?
A nossa inteligência revela-se artificial e sem capacidade de reprogramação.

Friday, January 02, 2009

Ontem, no primeiro dia do ano, fui a Sintra e estava a serra cerrada a sete nevoeiros. São Pedro de Sintra, São Pedro na Ribeira, São Pedro em Galamares, em Colares, em Almoçageme, na Praia das Maçãs. Sintra tem mais estações, nenhuma é seca.
«Diz-se que todo o estrangeiro poderá encontrar em Sintra um pedaço da sua pátria. Eu descobri aí a Dinamarca. Mas julguei reencontrar muitos pedaços queridos de outras belas terras...». Disse Christian Andersen.
Pois ontem, e porque Sintra transpira, encontrei a estepe de Tchekhov.

"Deslizam sobre as planícies largas sombras, como nuvens no céu, e, na inverosímil lonjura, se se olha muito tempo para elas, elevam-se imagens vaporosas e fantásticas que se acumulam umas sobre as outras...
Caminha-se uma hora, duas horas... Encontra-se um velho e misterioso túmulo, ou uma estátua de pedra posta ali, Deus sabe quando e por quem; uma ave nocturna voa silenciosamente por cima da terra e, pouco a pouco, as lendas das estepes, as narrativas daqueles que por ali passam, os contos das velhas amas oriundas das estepes e tudo aquilo que aprendemos por nós próprios e entesouramos na alma, nos vem à cabeça. E então o zumbir dos insectos, as figuras suspeitas e os túmulos, o azul do céu, o luar, o voo duma ave nocturna, tudo quanto se vê e ouve, começa a parecer-nos o triunfo da beleza"