Friday, January 23, 2009

Evolução, um efeito num processo que avança para outro efeito.

Quem furou o osso de urso da flauta do homem de neandertal? O urso não foi. O osso evoluiu sem custo. O homem causou um efeito na evolução, gratuito, artificial.
Passaram as estruturas dos fémures de urso a desenvolver-se com quatro orifícios? Claro que não, os ursos nem tocam flauta. Passaram todos os homens a caçar ursos para furar o osso em alturas de som? Não me parece.
O homem interfere individualmente e artificialmente na evolução. Aprende só.

As considerações que aqui faço são superficiais. Faltam imensos bancos de dados, imensas cadeias de tempo discreto. Considerações muito mais superficiais do que as que levaram o homo a furar o osso.

Monday, January 19, 2009

Edgar e Eugénio 19 de Janeiro

Edgar Allan Poe. Um Homem na Lua

“ O que mais me assombrou no aspecto das coisas situadas por baixo de mim foi a aparente concavidade da superfície do globo. Eu esperava estupidamente que a sua convexidade real se manifestaria cada vez mais à medida que a altura aumentasse. No entanto, alguns segundos de reflexão bastaram-me para compreender este contra-senso.
Uma linha traçada perpendicularmente do ponto em que eu me encontrava até à Terra formaria a perpendicular de um triângulo rectângulo cuja base se estendia em ângulo recto até ao horizonte, e a hipotenusa, do horizonte até ao ponto ocupado pelo meu balão. Mas a altura em que eu estava nada significava comparativamente à extensão abarcada pela minha vista. Noutros termos: a base e a hipotenusa do suposto triângulo eram tão longas em relação à perpendicular que podiam considerar-se como duas linhas quase paralelas.
(…)
Daqui a impressão de concavidade; e esta impressão teria de durar até que a altura se encontrasse, relativamente à extensão da perspectiva, numa proporção igual, isto é, até que o aparente paralelismo da base e da hipotenusa desaparecessem.
Entretanto, como as pombas pareciam sofrer horrivelmente, resolvi pô-las em liberdade”



Eugénio de Andrade. Limiar dos Pássaros

“Desta cal de homem rompe a lua
de sol extenuada
ergue-se de gume em gume e cai
no espelho a prumo das espadas”

Rente à Fala

"Ver chegar o dia mesmo que fosse a noite
era bom tão cedo ver a terra limpa
os pombos bravos o peito cor de vinho
o cheiro doce dos figos o brilho duro
da cal trazido pelo vento o marinheiro”

Saturday, January 17, 2009

"Meta cada um a mão na consciência e diga o que lá encontrou"
(exorta José Saramago no seu blogue)

Eu diria que lá, não encontraria nada. Onde foi a consciência, a consciência colectiva? Onde foram os memes menos egoístas que os genes? Onde pararam esses campos mórficos de solidariedade, fraternidade, reciprocidade?
Nos campos colectivos tarde ou cedo levamos na tromba, concentramo-nos então nos genes, egoístas. No salve-se a nossa espécie de genes, defendamos a nossa pele.
E quem quer levar, não na tromba, mas na consciência? Vai vazia.

(Como se vê, para quem escreveu não há muito tempo que importante é acreditar nos homens, a minha consciência vai mal, vazia)

Tuesday, January 13, 2009

As estantes de música não têm prateleiras. Um bordo uma margem, para que não caiam as partituras.


Khachaturian, assim como Prokofiev e Shostakovich, foram acusados (em 1948) pelo regime soviético, de formalismo, de formalistas. Que o formalismo era antinacionalista, que os formalistas apagavam a expressão da emoção do povo.

Essa confusa distinção bifurcada entre nacionalismo e formalismo já aqui havia sido notada por Lopes-Graça na década de 30 (1934)
Lembro as palavras, escritas numa publicação periódica da altura (julgo que na "República") republicada depois em livro - " A caça aos coelhos e outros escritos polémicos".

"Segundo o conspícuo autor do Rouxinol cativo, existem duas correntes bem demarcadas no campo da estética musical, tanto no estrangeiro como em Portugal: o «nacionalismo» e o «formalismo», este preconizado no ensino oficial, aquele defendido por «actividades extra-oficiais». Os «formalistas» são os homens da música pura, isto é: «a música fora do tempo e do lugar...construída geometricamente...sem literaturas, sem paisagem...em que não existem estados de alma, mas somente obediências às leis de certas e determinadas lógicas formais»; os «formalistas» são, em suma, «os amigos da Sonata», para quem a «forma» é «tudo». Os «nacionalistas», pelo contrário, «pretendem dar à música o sentido do lugar, do tempo e da vida» (sic); para estes, a música não é um fim, mas antes um meio: eles «servem-se do som musical para exprimirem estados de alma comuns à raça, fixando o colorido especial das paisagens.»
(…)
Basta, que é demais.
Os leitores já viram, certamente, o caótico, o disparatado, o absurdo, o burlesco de tudo isto.
(…)
O menos culto estudantinho do 6º ano do Liceu sabe, porque isto é elementar, que, em Estética, o que se opõe ao Formalismo não é o Nacionalismo, mas sim o Conteudismo; e que o contrário do Nacionalismo não é Formalismo, mas…Universalismo. Que Formalismo e Conteudismo dizem respeito à estrutura íntima, ao processus ideativo da obra de arte; ao passo que Universalismo e Nacionalismo se referem ao seu carácter externo, ao seu successus representativo. Que, portanto, pode haver - e há, de feito - obras de estrutura formal e carácter nacional, e obras de estrutura conteudista e carácter universalista. Pelo que o Formalismo não é, de maneira alguma, adstrito ao Universalismo, assim como o Conteudismo não é pertença exclusiva do Nacionalismo.
(….)
Conteudismo e Formalismo não se excluem, não se repelem mutuamente, pois que não é fácil conceber um conteúdo sem um esboço de forma, assim como não existe, decerto, uma forma sem um mínimo de conteúdo. O que há é obras que partem da forma para o conteúdo, isto é: em que este se subordina àquela; e obras que partem do conteúdo para a forma, isto é: em que aquele determina esta.”

Sunday, January 11, 2009





(Um excerto do concerto para violino de Aram Khachaturian, transferido por Jean-Pierre Rampal, interpretado por Emmanuel Pahud e a Tonhalle Orchester Zurich)

Monday, January 05, 2009

O Bloqueio

"Um processamento inteligente de informação deve emergir no universo e, quando este vier a existir, nunca deve cessar"
Princípio antrópico teleológico
(1982/ Frank Tipler)

Na Terra preside um processamento de inteligência de informação que tem como regulador de ordem o ser humano. A nós, atribuímos juízo - percepção, apreensão, aprendizagem, adaptação, decisão, correcção.
Se o juízo tivesse emergido na Terra, a guerra não ganharia pontos com o medo, a impotência, a dor o desespero e a morte.
Que se ganhassem pontos de guerra lutando pelo bem-estar da outra facção; que se ganhasse informação inteligente nos códigos de outros grupos.
O que nos faz inteligentes? Diferimos dos alfas na luta pelo domínio?
A nossa inteligência revela-se artificial e sem capacidade de reprogramação.

Friday, January 02, 2009

Ontem, no primeiro dia do ano, fui a Sintra e estava a serra cerrada a sete nevoeiros. São Pedro de Sintra, São Pedro na Ribeira, São Pedro em Galamares, em Colares, em Almoçageme, na Praia das Maçãs. Sintra tem mais estações, nenhuma é seca.
«Diz-se que todo o estrangeiro poderá encontrar em Sintra um pedaço da sua pátria. Eu descobri aí a Dinamarca. Mas julguei reencontrar muitos pedaços queridos de outras belas terras...». Disse Christian Andersen.
Pois ontem, e porque Sintra transpira, encontrei a estepe de Tchekhov.

"Deslizam sobre as planícies largas sombras, como nuvens no céu, e, na inverosímil lonjura, se se olha muito tempo para elas, elevam-se imagens vaporosas e fantásticas que se acumulam umas sobre as outras...
Caminha-se uma hora, duas horas... Encontra-se um velho e misterioso túmulo, ou uma estátua de pedra posta ali, Deus sabe quando e por quem; uma ave nocturna voa silenciosamente por cima da terra e, pouco a pouco, as lendas das estepes, as narrativas daqueles que por ali passam, os contos das velhas amas oriundas das estepes e tudo aquilo que aprendemos por nós próprios e entesouramos na alma, nos vem à cabeça. E então o zumbir dos insectos, as figuras suspeitas e os túmulos, o azul do céu, o luar, o voo duma ave nocturna, tudo quanto se vê e ouve, começa a parecer-nos o triunfo da beleza"