Wednesday, December 13, 2006
Tuesday, December 12, 2006
" Escuto estes desenhos como a um homem do campo que diz, sem querer, coisas mais importantes do que o que está a contar, e que põe tudo à mostra sem dar por isso. Através destes desenhos sigo grafologicamente o meu instinto à espera da minha vontade, - a minha querida ignorância a aquecer ao sol e a transformar-se na minha vez cá na terra."
Almada Negreiros
Acho que o homem do campo diz coisas que conhece; coisas que o conhecem a ele.
A terra espera pela vontade do homem do campo e o homem do campo espera pela vontade da terra. São coisas importantes, as vontades; a nossa vez de existir.
Wednesday, November 29, 2006
Conheci uma tristeza diferente, não sei dizer como, dobrada, dobrada em muitos.
Um quadrado, quatro triângulos dobrados atrás, fica outro quadrado e são quatro triângulos unidos num ponto, num centro. Quatro pirâmides; quantos queres? Um quatro e dezasseis.
É mais ou menos assim. Um "quantos queres" de tristeza.
Dizer que não escrevo é mentira. Escrevi uma peça, teatro. De encomenda.
Como não sabia nada, imaginei tudo. Os cenários e os adereços, as imagens para o ciclorama, os roteiros de luz, a sonoplastia e as paisagens sonoras. As entradas em cena, as altas e baixas do palco, as telas e os telões. Ficou um balão, colorida e vazia.
Se vier a ser encenada estarei lá a aprender a sério.
Não fiz nenhum curso de escrita criativa ou dramaturgia.
Continuo sem saber o possível na escrita, mas faz-me caminhar, ao acaso, conduz-me.
Hoje li no diário digital do sapo um artigo sobre os pulsares da torrente
"Astrónomos europeus descobriram um feixe modulado de muito alta energia vindo do espaço que varre a Terra com a regularidade de um farol, com uma intensidade 100.000 vezes superior ao mais potente até agora observado (...) A modulação do sinal das «pulsars» está compreendida entre alguns segundos e alguns milissegundos. Em contraste, a do sinal emitido pelo LS 5039 é de 3,9 dias. A energia libertada é também invulgar e os cientistas estão ainda na fase das hipóteses para explicar a sua origem."
(não sei pôr a ligação, é :http://diariodigital.sapo.pt/news.asp?section_id=60&id_news=252445)
Desdobrou-me a tristeza, sei lá eu porquê.
Wednesday, October 18, 2006
Sunday, October 08, 2006
Nestas duas últimas semanas transformei-me em formiga de biblioteca; passo as horas que posso lendo e escrevendo.
Leio muito. Na verdade irrita-me esta dificuldade que tenho em entender o possível na escrita. Semiótica, filosofia da linguagem, prosódia, signos e grafos, ícones, símbolos, significados, proposições e inferências, falácias lógicas.
Neste momento leio Blanchot, mas já passei por, Peirce, Eco; Derrida, Foucault que fica sempre bem e até rimou.
Blanchot e o movimento incessante da escrita. "...comme si écrire, le mouvement incessant d'écrire, nous libérait du jeu de l'écriture."
Seria um exercício interessante fazer um paralelo entre os jogos da linguagem e a "moderna" teoria dos jogos.
Em "investigações filosóficas" WIttgenstein diz-nos que o significado das palavras é independente daquilo a que se referem. O significado depende de como são usadas. A linguagem é um tipo de jogo em que as palavras são as peças de um conjunto de regras ( convenções linguísticas)
A teoria dos jogos estuda decisões que são tomadas por vários jogadores que interagem entre si num determinado meio. A estratégia na escolha de comportamentos depende da escolha de outros indivíduos. Não será completamente inverosímil considerar cada palavra como indivíduo, individual e em crescimento; no entanto atribuir decisão ou escolha de comportamento à palavra é, do meu ponto de vista, disparatado. A palavra cresce em significados, tem comportamento diferenciado quando interage com outra ou outras palavras, mas não escolhe. Quem escolhe é quem fala ou escreve.
Em princípio a linguagem das palavras deveria centrar-se no jogo cooperativo. A solução cooperativa é aquela que permite encontrar o par de ganhos que garanta a cada uma das partes ao menos aquilo que poderia assegurar jogando sozinhos. Mesmo falando para o boneco se pode assegurar ao menos aquilo que ganhamos a falar sozinhos. A não ser que afinal o boneco afinal ouça. Provavelmente ouvirá não o que foi dito, mas sim o que ouviu. Ganha-se alguma coisa ouvindo o que não foi dito? Parece que sim. Perde-se com as palavras? Provavelmente, que isto está tão confuso que até eu dou o dito por ouvido.
A que tipos de jogos se referia Wittgenstein?
Há os simétricos e os assimétricos, os de soma zero e os de soma diferente de zero, os simultâneos e os sequenciais, os de informação perfeita e os de informação imperfeita, os infinitamente longos.
E já agora
- Imagine um diálogo entre o Capitão gancho e o Peter Pan; quais seriam os tipos de jogo adoptados? Riscar o que não interessa (o infinitamente longo por não ter par é verdadeiro por defeito)
- Quais os aspectos paradoxais que atestam a ambiguidade da opinião pública?
- Porque é que quanto mais escrevo mais sarcástica me torno?
"...comme si écrire,le mouvement incessant d'écrire, nous libérait du jeu de l'écriture."
Blanchot e o movimento incessante como estratégia de libertação do próprio jogo.
" Par le livre, l'inquiétude d'écrire - l'énergie - cherche à se reposer dans la faveur de l'ouevre, mais l'absense d'ouevre l'appelle toujours dès l'abord à répondre au détour du dehors, lá où ce qui s'affirme ne trouve plus sa mesure dans un rapport d'unité"
(L'entretien infini)
Thursday, September 14, 2006
Saturday, September 09, 2006
“Driving Miss Daisy” estreou em Nova Iorque em 1987 e esteve três anos em cena, ganhando o prémio pulitzer de 88. Em 989 é feita a adaptação ao cinema pelo próprio autor – Alfred Uhry. Valeu-lhe o Oscar da “melhor adaptação”.
A tradução feita para Eunice Muñoz, Guilherme Filipe e Thiago Justino, é da responsabilidade de António Barahona. Com a minha escassa cultura, não o conhecia. Fiquei a saber que é poeta.
Não pretendo fazer aqui uma crítica ao espectáculo, aos actores, ao encenador ou aos técnicos. A um crítico, julgo eu, cabe “meter-se” dentro do criticado e tentar perceber porque escolheu ele fazer assim. Só o poderá fazer se conhecer a técnica utilizada na produção da obra. Estou a falar do crítico e não de quem opina. Acho muito bem que se opine, e que se critique.
Posso fazer uma crítica ao público, eu estava metida na plateia.
O público é parte de um espectáculo. Aquele público ontem era de estreia, ou seja, convites e muita gente do meio (fui com o meu irmão actor). Esperava eu que acompanhassem as tensões e descontracções do texto, os sentidos de humor claros e escuros; as modificações nas frases, que repetidas ao longo dos vinte e cinco anos em que decorre a acção, deixam de ter o sabor da ironia incisiva e graduam até ao hábito envelhecido, enriquecido.
As gargalhadas do público não graduaram; não sei porque escolheram rir assim.
Nunca tinha visto a Eunice Muñoz ao vivo. O seu gesto é extraordinário e oportuno. Os pés, as mãos, dizem as falas. Se as perde por vezes, é só na voz; o seu corpo mostra que não se perdeu.
O seu sorriso no fim mostrou o que todos ganhámos.
[Sempre que releio o que escrevo encontro “novas interpretações”; não faz sentido apagar o que escrevo, ou modificar de cada vez que cá venho. Ao ler isto, pareceu-me que estava a fazer uma critica velada ao texto da peça, e sendo assim, a armar-me em espertinha. Como se conhecesse a técnica utilizada na elaboração daquele, ou de outros textos. Não conheço. A fazer fé na Maria: “quem escreve escreve-se”, devo ter pretensões à esperteza.]
Monday, September 04, 2006
E não deve haver som igual em cada onda. Nenhuma se levanta da mesma forma. Começa aí, como se dançar emitisse som sustentado. Nenhuma prepara o ataque com a mesma força; não tem repouso o silêncio.
A cor está pintada, pouco dizível. É aproximada ao brilho de penas ónix, azuladas pela lua.
Sunday, August 27, 2006
Vou tentar arranjar.
Salguei a neve
de um dia ao passado
gelado
Não sei o lugar
mas estava vazio
caiu aberto
esculpiu um rio
e é tão comprido
traça tão cheio
enche perdido
cresce p’lo meio
Chamo-lhe rio, pois
não sei o lugar
da neve sem frio
que é fonte de mar
[Adenda- apêndice.
Ficou pior. A répétition parece:
- Patáta patáka patica pató
e trálalé troleli trololo lo]
Friday, August 25, 2006
Monday, August 21, 2006
(a fotografia - grafia do fotão - é no lado esquerdo, uma imagem da galeria do HubbleSite, e no direito, o mar aqui à frente, tirada a semana passada)
Sunday, August 13, 2006
Pode ser bem alto no cimo da cordilheira. Dentro de um tronco com musgo do mar. Lá tão alto é onde vou morar.
De manhã o mar nascerá. Vou atirar as pérolas ao céu; o sol vai gostar de as pentear. E o barco será tecido algodão com as cores das luas já penteadas, aureoladas. Irei pescar as músicas da floresta para que na festa os pássaros possam dançar.
Ao pôr do mar voltarei ao ramo da cerejeira, à festa da cordilheira.
Não importa a altura, pois não?
Tuesday, August 08, 2006
A todas as horas. A cada hora uma nova ordem, um novo mundo. Deve ser do vinho. (bebi vinho – Monsaraz; um copo e meio)
Hora a hora; afinal após os primeiros três minutos, nada de importante aconteceu nos milhões de anos seguintes. Só quando o universo completou um milhão de anos de idade, nasceu o primeiro átomo. Mil milhões de anos, e o universo estava repleto de nuvens de hidrogénio e hélio rodopiando no espaço. A força chama os átomos ao centro, a velocidade aumenta, a energia multiplica-se. Dez milhões de anos depois, no centro contraído, a temperatura sobe a vinte milhões de graus fahrenheit. Deflagra a reacção nuclear, a energia flui para a superfície. Nasceu uma nova estrela. Hora a hora.
Friday, August 04, 2006
A guerra projecta-se no político, ultrapassa o domínio do individual.
Será assim?
“(...) o horror que nos convence de que o que ali se passou constitui um crime contra a humanidade, não reside no facto de, apesar de partilharem a humanidade com as suas vítimas, os assassinos os terem tratado como piolhos. Isso é demasiado abstracto. O horror consiste nos assassinos se terem recusado a imaginar-se no lugar das suas vítimas, ao contrário de todas as outras pessoas. Por outras palavras, fecharam os corações. O coração é a sede de uma faculdade, a compreensão, que nos permite partilhar, por vezes, a essência de outrem (...) Em cada dia há um novo holocausto e, no entanto, tanto quanto me consigo aperceber, a nossa essência moral permanece intocada. Não nos sentimos maculados.”
J. M. Coetzee
No domínio do político, cito Aristóteles
“Pertence à sabedoria, quer de cada homem tomado individualmente, quer de todo o Estado em geral, o dirigir as acções e a conduta para o melhor fim. Ora vários pensam que mandar nos semelhantes, se se faz de uma forma despótica, é uma grande injustiça; se se faz duma forma civilizada, não é uma injustiça, mas somente um obstáculo para a sua tranquilidade (...) Um legislador deve gravar profundamente no espírito do seu povo que aquilo que é bom para cada um em particular é igualmente bom para o Estado; que não é conveniente dedicar-se aos exercícios militares com a intenção de sujeitar aqueles que o não merecem; que tais exercícios só devem ter por finalidade o defender-se a si próprios da escravidão e até o tornar-se úteis aos vencidos. A finalidade não é dominar todo o mundo, mas unicamente os que não são capazes de bem usar da sua liberdade e que mereceram a escravidão por causa da sua malvadez”
(tratado da política, Aristóteles)
A “malvadez” lembra o “eixo do mal”.
A guerra - o mal – os maus.
O mundo não reproduz o conto de fadas onde os maus sofrem justos castigos e os bons vivem felizes para sempre. No mundo da humanidade os “maus” seguem e respeitam as ordens dos seus legisladores, e os “bons” não vivem felizes com as ordens dos “escravos da malvadez”.
Nunca estive num país islâmico, (quando eu era pequena, a minha mãe dizia-me que o meu trisavô era um príncipe árabe; se lhe perguntar hoje é bem capaz de reafirmar; a imaginação ocupa-lhe a história) não sei como sentem as suas leis, se as vivem ou se simplesmente as seguem. Sei, ou fazem-me saber, que a grande maioria dos muçulmanos não são extremistas, fanáticos. Sinto no entanto, que o Ocidente ficaria mais tranquilo se os infiéis se convertessem, não ao cristianismo, mas à democracia, ao Estado de direito, ao secularismo.
Já há um tempo chegou-me aqui a casa um livro pelo correio, cujo destinatário era o Eduardo Prado Coelho. Deduzo que aqui morou, e não sabendo eu como o devolver, sendo um livro, paciência, desculpe lá ó Eduardo, fiquei-lhe com o livro. É uma compilação das intervenções de alguns oradores num curso livre de História Contemporânea, cujo tema foi, a globalização e democracia.
Uma das oradoras, Teresa Patrício Gouveia, afirma que em meados do séc. XXI, a civilização ocidental representará apenas 1 a 5% da população mundial (devo dizer que este número me espanta, não sei se terá algum fundamento real). Mas seja qual for a percentagem – “talvez tenhamos, sabiamente, que aceitar, nas sociedades, a conflitualidade; de compreender que os homens não querem todos as mesmas coisas; que os valores que adoptámos estão eles mesmos em conflito” Isaiah Berlin ( Four essays on liberty)
Monday, July 24, 2006
Monday, July 17, 2006
Na última noite que aqui jantou, antes de entrar para a comunidade onde está em tratamento, dizia assim aos meus filhos:" - Vocês não têm blocos vermelhos? Pois então, os blocos vermelhos comem os blocos brancos. E depois um gajo constipa-se e pode morrer. O HIV é quando é assim o princípio da doença, e a sida é quando a doença já está mesmo na morte."
Com ele aprendi como fazer um alambique na prisão. Corta-se um garrafão de lixívia de cinco litros, vazio, está claro! Com duas colheres e um pau no meio faz-se a resistência. Separa-se uma das extremidades de um fio eléctrico e une-se a cada uma das colheres; a outra extremidade liga-se à corrente eléctrica. Põe-se a chicha (fruta e pão que fermentaram quinze dias antes, dentro de um balde) no garrafão e mergulha-se a resistência lá no meio. Faz-se um orifício num dos lados e introduz-se um tubo de cobre. Esse tubo sai do garrafão, e passa dentro de um lavatório com água fria. É necessário deixar sempre um fio de água a correr na torneira para que a água não aqueça. Finalmente, termina dentro de uma garrafa, para onde pinga a aguardente destilada.
Aprendi muitas outras coisas. Como fazer uma "máquina" de tatuagens ou o que fazer em caso de overdose. Aprendi que o limão estragado, quando usado na preparação da "dose" provoca febre muito alta; que a ressaca provoca um descontrolo completo do organismo, desde as insónias ou dores musculares, aos vómitos e diarreias.
A manhã é a pior parte do dia, até se "orientarem", para a primeira dose. Mais que uma vez, ao abrir a porta de manhã, encontrei o Zé deitado no chão, agarrado ao estômago a gemer.
Um destes sábados visitei o Zé na comunidade onde faz tratamento. Comigo foi o Carlos, amigo e coabitante do mesmo carro abandonado; companheiro de expediente nos parques de estacionamento, nos peditórios à porta da igreja, nos pequenos furtos em supermercados. O Carlos também está em recuperação, mas num programa em regime mais aberto, podendo sair com alguém que se responsabilize por ele.
Engordou onze quilos, o Zé. A dicção também melhorou consideravelmente, apesar de continuar sem nenhum dente. Está dolorosamente resoluto. A coisa não parece fácil. No dia anterior à nossa visita tinha tido "reunião de sentimentos", evento a que eles (os utentes do pavilhão primário - primeira fase do tratamento) chamam a "passerelle". Daquilo que me contou, ficou-me a ideia de um apedrejamento terapêutico. Não é uma exposição feita por ele ao resto da assembleia (constituída pelos colegas de tratamento que com ele partilham o pavilhão primário - cerca de vinte). Passa-se ao contrário. Os colegas, um a um, apontam-lhe todos os defeitos que em dois meses de convívio enclausurado puderam descortinar. E o objectivo é, segundo as palavras do Carlos, que também ali esteve em tratamento, mas que não aguentou mais de quatro ou cinco meses; o objectivo diz então ele, é "encontrar as feridas e enfiar o dedo lá dentro, rodando afincadamente até ao osso." E o que se tira daqui? É um exorcismo; espera-se no fim uma explosão de raiva, uma fúria catártica, qualquer coisa de - sai daí ó demónio. E pronto! Ao Zé descobriu-se-lhe o seu orgulho exagerado e o seu uso desenfreado da manipulação (que por coincidência são adjectivos que rotulam qualquer adicto). Depois da descarga apoteótica do "modelo na passadeira" vem o reconhecimento de que falhas de carácter são humanas, mas que terão que ser sempre reconhecidas.
Sei que a taxa de sucesso na recuperação de toxicodependentes e alcoólicos nesta comunidade é das mais elevadas no país. Não sei como justificar os meios.
Wednesday, July 12, 2006
O improptum tem um ano. Fez desta vez.
Um ano passado, com tantas faltas. E a justificação não é aceitável. Faltei ao blogue porque não parece ser fácil a quem lê, acreditar nas minhas "histórias".
Quando escrevo, confundo. As palavras intimidam-me, transmutam-se.
Só prova que aprendi muito pouco. Chumbei.
Tenho feito muitas perguntas. Devia tentar responder.
Lá em baixo, perguntava porque é que as crianças nos seus traços informes procuram tudo o que é redondo.
Acho que procuram o limite da forma diferenciada.
A interacção gravitacional (interacção de intensidade muito fraca, sempre atractiva, de longo alcance, abrangendo todas as partículas) é muito fraca à escala das partículas; torna-se no entanto preponderante à escala macroscópica. O facto de ser sempre atractiva faz com que se acumule eficazmente. A força gravitacional é cumulativa. As interacções electromagnéticas não possuem esta propriedade; são atractivas ou repulsivas segundo o sinal das cargas em presença, apesar da neutralidade eléctrica da matéria anular os seus efeitos a longa distância.
"Um objecto compacto de massa fraca é dominado pela interacção electromagnética. Ele pode, por isso, ter qualquer forma: mesa, garrafa, bicicleta... Mas quando a quantidade de matéria em causa ultrapassa um certo limiar, as forças de gravitação acabam por se sobrepor às forças eléctricas e o objecto em questão apenas pode existir sob uma forma grosso modo esférica. Assim, os planetas e as estrelas somente podem ser redondos, enquanto os asteróides com um raio inferior a 300 Km têm ainda o direito de possuir formas irregulares."
Étienne Klein. Sob o átomo, as partículas.
As crianças procuram com os seus primeiros traços desenhar o redondo
O redondo é grosso modo o limite da forma diferenciada
post hoc, ergo propter hoc
As crianças procuram o limite da forma diferenciada
Poderia dizer que procuram a forma esférica porque é a forma que apresenta a menor área de superfície para um dado volume; a forma que apresenta melhor resistência à pressão exterior. Mas, diz-me o bom senso que as crianças gostam de grandes superfícies; e não sabem defender-se das pressões exteriores.
Há mais respostas, claro. Esta poderia ser a do Renatus Cartesius - as crianças procuram o grande espírito.
" (...)Todos os corpos líquidos ou gasosos suspensos no ar têm a forma esférica, (...) Assim a energia que chamamos de espírito também obedece a este sistema. Quando nascemos temos esta energia esférica muito pronunciada e o sistema funciona da seguinte maneira, - no começo somos menos matéria e mais energia (...) "
Regulae ad directionem ingenii - regras para a direcção do espírito
René Descartes, o do "penso, logo existo"
Respostas estão no tudo. Para responder escolhe-se a parte "simples" e zás, aplica-se a lógica da síntese. Há resposta, no que existe. Existe, logo cogito.
A propósito de redondo; tenho-me comportado aqui como um quadrado, uma besta-quadrada. Peço desculpa aos redondos/as. E também aos bicudos/as.
Saturday, April 22, 2006
A poesia desloca-se de um ponto ao outro no plano espacial sem direcção temporal.
(a velocidade deste deslocamento será infinita, já que a velocidade inclui um deslocamento pelo intervalo de tempo - que na poesia é zero)
Feito um postulado, vou escrever à poesia.
Olha, porque não me ensinas
onde se pousam momentos?
Sem tempo e com tal tamanho
como paro os movimentos?
Onde se aportam as asas?
Como vou prender os ventos?
Friday, April 14, 2006
A teoria do centésimo macaco - consciência colectiva
Para nos dar uma ideia da teoria:
" Era uma vez duas ilhas tropicais, habitadas pela mesma espécie de macaco, mas sem qualquer contacto perceptível entre si. Um símio da ilha A descobre uma maneira engenhosa de quebrar cocos, que lhe permite aproveitar melhor a água e a polpa. Ninguém ainda tinha partido os cocos dessa forma. Por imitação, o procedimento rápidamente se difunde entre os seus companheiros e logo uma população crítica de 99 macacos domina a nova metodologia. Quando o centésimo símio da ilha A aprende a técnica recém-descoberta, os macacos da ilha B começam espontaneamente a quebrar cocos da mesma maneira."
A partir do momento em que o centésimo macaco adopta o mesmo comportamento cria-se uma consciência no hábito da espécie - um campo mórfico. ( a história dos macaquinhos não é verídica )
O conhecimento adquirido torna-se património colectivo, memória e consciência colectiva da espécie.
E como se propaga a informação nos campos mórficos? Bom, a isso chamou Sheldrake ressonância mórfica. E como? "(...) a ressonância mórfica é um processo básico, difuso e não intencional (...)". Segundo o biólogo os campos mórficos não utilizam energia, por isso a intensidade não decai com a distância. O que se transmite através deles é informação pura. Actuam sobre a matéria impondo padrões restritivos sobre processos energéticos cujos resultados são indeterminados ou probabilísticos.
Apresenta como "exemplo real " o comportamento de novas substâncias químicas sintetizadas em laboratório.
" (...) Dependendo das características da molécula, várias formas de cristalização são possíveis. Por acaso ou pela intervenção de factores puramente circunstanciais, uma dessas possibilidades efectiva-se e a substância segue um padrão determinado de cristalização. Uma vez que isso ocorra, porém, um novo campo mórfico passa a existir. A partir de então, a ressonância mórfica gerada pelos primeiros cristais faz com que a ocorrência do mesmo padrão de cristalização se torne mais provável em qualquer laboratório do mundo. E quanto mais vezes ele se efectivar, maior será a probalidade de que aconteça novamente em experiências futuras."
A ser verdade, estes campos "legisladores" ao preço da quantidade oferecer-nos-iam informação pura, mas sem discernimento de conteúdos. Consciência de massas, a partir da repetição.
As estruturas existentes seriam um produto de fenómenos semelhantes, transmitidos sem energia.
A ordem das minhas ideias não acredita nesta hipótese dos campos mórficos; se mais noventa e nove macacos passassem aqui e se juntassem à minha opinião, tínhamos a teoria da consciência colectiva negada. Ou sendo mais precisa; teríamos um campo mórfico da negação dele próprio.
Saturday, April 08, 2006
Wednesday, March 08, 2006
Frida Khalo
que pinta, repinta com cabos de dor
É só uma corda na crina tremente
que rincha, relincha com arcos de cor
Só um pincel
quilha voante
de corda dorsal
Friday, March 03, 2006
Não é uma inequação. São frases. Contraponto, que se pode sujeitar a inversões e a cruzamento de vozes, beneficiando assim os movimentos melódicos.
Espero ter resolvido a charada. (descobrir é novo, aprender é acrescentar)
A música é número e é frase.
A música é onda longitudinal, fenómeno físico, perturbação oscilante.
É tudo mais que isto.
Tuesday, February 28, 2006
Wednesday, February 22, 2006
Inventei um poemómetro.
Estou mais tranquila, o meu pai continua a melhorar. Já respira sozinho, alimenta-se com sopa (ainda num tubo) e o coração está a restabelecer.
Enganei-me no nome do Hospital. É Instituto Português de Oncologia de Francisco Gentil. Está escrito na colcha da cama.
No segundo piso fica o bloco operatório, se repararem nas ombreiras das portas verão que a tinta está lascada numa altura que corresponde rigorosamente à altura das macas.
Tuesday, February 21, 2006
Friday, February 17, 2006
Tinha estado na sala dos cuidados intensivos com o meu pai, tinha discutido com a enfermeira, tinha chorado.
Quando cheguei, tinha uma namorada de um amigo, que chorava, com a sua bebé, que vomitava. Ficaram para jantar.
E também há o Zé, um dos mendigos (eu sei o nome de todos os mendigos com quem falo). Ontem o Zé também chorou, tinha consumido mas tinha dores. Queria atirar-se para debaixo do comboio, queria falar, queria que eu o ouvisse. Queria ser gente.
(Este blog está transformado num diário)
Thursday, February 16, 2006
Não é uma imagem metafórica, se fosse escreveria qualquer disparate como - Ontem levei o piano para cima da bancada de mármore. Disseram-me que o deitasse, só assim ficaria vivo. E com uma grosa limaram as cordas .
Cortaram-lhe o lóbulo superior esquerdo do pulmão.
Anteontem teve um enfarte do miocárdio, e os visionários médicos verificaram que a expectoração que se acumulou no três quartos de pulmão originou uma pneumonia.
Está nos cuidados intensivos, sedado e estável. Não é uma alegoria, é mesmo a vida do meu pai.
A vida do meu pai está presa, não por um fio, mas por vinte tubos de diâmetros diferentes.
( Desculpem o amargo, é evidente que a literatura não tem culpa, talvez nem mesmo os médicos;... é a vida )
Monday, February 13, 2006
“O acto poético é o empenho total do ser para a sua revelação. Este fogo de conhecimento, que é também fogo de amor, em que o poeta se exalta e consome é a sua moral. E não há outra.Nesse mergulho do homem nas suas águas mais silenciadas, o que vem à tona é tanto uma singularidade como uma pluralidade (...) é impossível destrinçar o que é da razão e o que é do instinto, o que é do mundo e o que é da terra. Nunca nenhum dualismo serviu bem o poeta. Esse “pastor do Ser”, na tão bela expressão de Heidegger, é, como nenhum outro homem, nostálgico de uma antiga unidade (...) Essa revelação do poeta, e dos outros com ele, essa descida ao coração da alma, de que Heraclito encontrou a fórmula, essa coragem de mostrar o que achou no caminho – e nunca é fácil, nem alegre, nem irresponsável revelar o que se encontrou ou sonhou nas galerias da alma – é o que chamarei agora dignidade do poeta, e com ele a do homem.
(...) Porque o poeta vai nascendo com o poema para a mais efémera das existências; são as palavras, a luz e o calor que de umas às outras se comunicam, que o vão por sua vez criando a ele, acabando por lhe impor a mais dura das leis – a de que se extinga para dar lugar à fulguração do poema, a de que deixe de ser para que o poema seja, e dure, e o seu fogo se comunique ao coração dos homens.
(...) Porque a palavra poética visa a subversão – se assim não fora, que sentido teria esta música onde o homem morre sílaba a sílaba para que outro homem nasça?(...) "
Eugénio de Andrade. Poesia e prosa.
Os dois últimos parágrafos parecem ter a fatalidade de um terrível sortilégio. Criar poesia é então a mais dura das sinas, o abdicar da vida para dar lugar à obra que só servirá os outros. Uma paixão de Cristo gota a sílaba? Será verdade? Ao fim de quantos poemas estará morto o poeta?
A ideia da criação poética como um esvaziamento da vida aparece também em autores como Herman Hesse (viagem ao país da manhã) ou José Régio (três ensaios sobre arte). Será uma proposição verdadeira? Como fundamentar esta asserção? A ser verdadeira a mutilação da vida pela arte, estranho como lhes terá sido possível escrever roubando à vida. Até onde terão chegado?
Talvez aqui – “ palavra inaugural, óvulo e matriz de todas as iluminações e de todas as metamorfoses” (Albano Martins. Do mundo grego outro sol)
Também encontrei esta inequação
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível.
O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais.
Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.
Sophia de Mello Breyner Andresen
( como se resolverão inequações com “mas”?)
Olhem, e mais isto:
[Neste livro são relatadas uma série de conferências proferidas na Universidade de Princeton entre 1997/98. Coetzee, romancista, propõe a sua conferência em forma de ficção. Cria um evento académico (acaba por ser uma conferência ficcionada, dentro de uma conferência ), e a convidada que expõe as duas comunicações é também uma romancista, que escolhe como tema, não a literatura, mas sim o abuso dos humanos para com os animais ]
“ A poesia não faz nada acontecer, escreveu W. H. Auden. Mas é verdade? E deve ser verdade? O que tem a poesia a oferecer, o que tem a linguagem a oferecer, com excepção da arte da palavra? Nestas duas elegantes comunicações, pensámos que John Coetzee estava a falar de animais. Será possível que, durante todo o tempo, ele estivesse realmente a perguntar: - Qual o valor da literatura? “
J. M. Coetzee. As vidas dos animais
Já aqui disse que para mim as palavras não são exactamente nada, e por não serem exactas são tão fascinantes e inquietas como as pessoas.
Monday, January 09, 2006
Peço uma montanha que se oiça degelar
com torrentes a pulsar
os peixes dancem no ar
e as flores rebentem devagar
a cheirar
a beijar
as folhas acordadas
Que não parem sossegadas
as folhas todas pintadas
caminhem enfeitiçadas
iridescentes e enluaradas
Que o som se propague nos pulsares da torrente
as estrelas dancem na terra nascente
e a montanha rebente devagar no ar
deixando cascatas a flutuar