Monday, February 13, 2006

Descobri que a poesia me deixa com paralalia (desaparecimento permanente ou temporário da fala).



“O acto poético é o empenho total do ser para a sua revelação. Este fogo de conhecimento, que é também fogo de amor, em que o poeta se exalta e consome é a sua moral. E não há outra.Nesse mergulho do homem nas suas águas mais silenciadas, o que vem à tona é tanto uma singularidade como uma pluralidade (...) é impossível destrinçar o que é da razão e o que é do instinto, o que é do mundo e o que é da terra. Nunca nenhum dualismo serviu bem o poeta. Esse “pastor do Ser”, na tão bela expressão de Heidegger, é, como nenhum outro homem, nostálgico de uma antiga unidade (...) Essa revelação do poeta, e dos outros com ele, essa descida ao coração da alma, de que Heraclito encontrou a fórmula, essa coragem de mostrar o que achou no caminho – e nunca é fácil, nem alegre, nem irresponsável revelar o que se encontrou ou sonhou nas galerias da alma – é o que chamarei agora dignidade do poeta, e com ele a do homem.
(...) Porque o poeta vai nascendo com o poema para a mais efémera das existências; são as palavras, a luz e o calor que de umas às outras se comunicam, que o vão por sua vez criando a ele, acabando por lhe impor a mais dura das leis – a de que se extinga para dar lugar à fulguração do poema, a de que deixe de ser para que o poema seja, e dure, e o seu fogo se comunique ao coração dos homens.
(...) Porque a palavra poética visa a subversão – se assim não fora, que sentido teria esta música onde o homem morre sílaba a sílaba para que outro homem nasça?(...) "

Eugénio de Andrade. Poesia e prosa.


Os dois últimos parágrafos parecem ter a fatalidade de um terrível sortilégio. Criar poesia é então a mais dura das sinas, o abdicar da vida para dar lugar à obra que só servirá os outros. Uma paixão de Cristo gota a sílaba? Será verdade? Ao fim de quantos poemas estará morto o poeta?
A ideia da criação poética como um esvaziamento da vida aparece também em autores como Herman Hesse (viagem ao país da manhã) ou José Régio (três ensaios sobre arte). Será uma proposição verdadeira? Como fundamentar esta asserção? A ser verdadeira a mutilação da vida pela arte, estranho como lhes terá sido possível escrever roubando à vida. Até onde terão chegado?
Talvez aqui – “ palavra inaugural, óvulo e matriz de todas as iluminações e de todas as metamorfoses” (Albano Martins. Do mundo grego outro sol)


Também encontrei esta inequação
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível.
O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais.
Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.
Sophia de Mello Breyner Andresen
( como se resolverão inequações com “mas”?)


Olhem, e mais isto:
[Neste livro são relatadas uma série de conferências proferidas na Universidade de Princeton entre 1997/98. Coetzee, romancista, propõe a sua conferência em forma de ficção. Cria um evento académico (acaba por ser uma conferência ficcionada, dentro de uma conferência ), e a convidada que expõe as duas comunicações é também uma romancista, que escolhe como tema, não a literatura, mas sim o abuso dos humanos para com os animais ]
“ A poesia não faz nada acontecer, escreveu W. H. Auden. Mas é verdade? E deve ser verdade? O que tem a poesia a oferecer, o que tem a linguagem a oferecer, com excepção da arte da palavra? Nestas duas elegantes comunicações, pensámos que John Coetzee estava a falar de animais. Será possível que, durante todo o tempo, ele estivesse realmente a perguntar: - Qual o valor da literatura? “

J. M. Coetzee. As vidas dos animais



Já aqui disse que para mim as palavras não são exactamente nada, e por não serem exactas são tão fascinantes e inquietas como as pessoas.

2 comments:

Lourenço Viana said...

E tudo constroem, desconstroem ou destroem. E dão vida e felicidade. E força e conforto, se as usarmos bem para com as pessoas a quem queremos bem.
Força.
l.

AJB - martelo said...

felizmente que a poesia não utiliza um código binário ou digital