Thursday, August 23, 2012


 "Voltemos à música. Os sons não têm uma significação que possa ordená-los; o seu agrupamento é uma operação espontânea da própria sensibilidade do músico. A sua notação abstracta sobre as folhas da partitura não nos transmite a significação dos sons, mas simplesmente a sua ordenação, matematicamente fixada na sua duração e na sua intensidade (...)
Assim, o músico cria um tempo fictício, contido, sem dúvida, no tempo normal, mas esteticamente independente dele; e tem o poder quase miraculoso de fixar definitivamente essa criação, esse tempo fictício. De maneira que, durante a duração da sua música, o músico obriga-nos a medir e a sentir o tempo segundo a duração dos seus próprios sentimentos: coloca-nos num tempo verdadeiro, porque é duração, e no entanto fictício. A realidade estética da música é, por isso, superior à de todas as artes; ela só é uma criação imediata da nossa alma.
Objectar-me-ão que a sua execução constitui um elemento intermediário entre ela e nós. - Não. A execução correcta de uma partitura é para a música o que é para um fresco, por exemplo, o lugar e a iluminação adequados. A música representa o tempo sem outro intermediário que não seja ela própria; é isso a sua existência formal, em especial para a arte dramática"


«Quando a música atinge o seu mais nobre poder, torna-se forma no espaço»
Friedrich Schiller

(...)

"E se, como para as outras obras de arte, a obra dramática é o resultado da modificação das relações (ver atrás a citação de Taine*) o que é incontestável, resta-nos encontrar em nós próprios o elemento modificador. Em nós próprios porque, fora disso, apresentar-se-ia preparado para fins estranhos à vida do nosso corpo. Vimos, precisamente, que é a nossa vida afectiva, interior, que dá aos nossos movimentos a sua duração e o seu carácter; sabemos também, que a música exprime essa vida de uma maneira, para nós, indubitável e que modifica profundamente essas durações e esse carácter. Possuímos nela um elemento profundamente emanado de nós próprios e de que aceitámos já e por definição a disciplina.Será, portanto, da música que nascerá a obra de arte viva "

* A obra de arte tem por objectivo manifestar qualquer carácter essencial e saliente, portanto qualquer ideia importante, mais claramente e mais completamente do que o fazem os objectos reais. Consegue-o empregando um conjunto de partes ligadas cujas relações ela modifica sistemáticamente

Adolphe Appia
A obra de arte viva

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